Esconderijos do Tempo
Pela corola do gramofone
o Caruso cantava Una Furtiva Lagrima
e ninguém levava a mal aquele tom fanhoso,
talvez porque todo o mundo sabia que ele já estava morto.
Se alguém espiasse pela goela do gramofone,
poderia ver como era o Outro Mundo,
mas ninguém olhava porque devia ser muito, muito longe
a ponto de estragar o som daquela maneira.
E o pobre do Caruso cantava que te cantava afogado pelas águas do tempo
e por isso a sua voz era ainda mais pungente:
não é brinquedo estar morto e continuar cantando.
Caruso, eu estou pensando estas coisas não aqui e agora
mas naquele Café que tu sabes, lá por volta de 1923...
Também não é brinquedo continuar vivo e ficar falando para o que passou.
Quintana, Mario. In: Antologia Poética. RJ, Ediouro,
Coleção Prestígio, 4ª edição, pág. 83.
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