Pobreza
Não descera de coluna ou pórtico,
apesar de tão velho;
nem era de pedra,
assim áspero de rugas;
nem de ferro,
embora tão negro.
Não era uma escultura,
ainda que tão nítido,
seco,
modelado em fundas pregas de pó.
Não era inventado, sonhado,
mas vivo, existente,
imóvel testemunha.
Sua voz quase imperceptível
parecia cantar – parecia rezar
e apenas suplicava.
E tinha o mundo em seus olhos de opala.
Ninguém lhe dava nada.
Não o viam? Não podiam?
Passavam? Passávamos.
Ele estava de mãos posta
e, ao pedir, abençoava.
Era um homem tão antigo
que parecia imortal.
Tão pobre
que parecia divino.
(Cecília Meireles)
In: Poesia Brasileira – Doze Noturnos de Holanda e outros poemas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, ps. 77 e 78.
Imagem: Leda Lucas
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O Bicho
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.
Manuel Bandeira, em 1947.
Imagem: Leda Lucas (em 09/2011, nas ruas da principal cidade da América do Sul).
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