segunda-feira, 16 de março de 2009

Recado do Morro - Guimarães Rosa

Morro da Garça – Belo como uma palavra

“(...) — ‘H’hum... Que é que o morro não tem preceito de estar gritando... Avisando de coisas...’ — disse, por fim, se persignando e rebenzendo, e apontando com o dedo no rumo magnético de vinte e nove graus nordeste.
Lá — estava o Morro da Garça: solitário, escaleno e escuro, feito uma pirâmide. O Gorgulho mais olhava-o, de arrevirar bogalhos; parecia que aqueles olhos seus dele iam sair, se esticar para fora, com pedúnculos, como tentáculos.
— ‘Possível ter havido alguma coisa?’ — frei Sinfrão perguntava. — ‘Essas terras gemem, roncam, às vezes, com retumbo de longe trovão, o chão treme, se sacode. Serão descarregamentos subterrâneos, o desabar profundo de camadas calcáreas, como nos terremotos de Bom-Sucesso... Dizem que isso acontece mais por volta da lua cheia...’
Mas, não, ali ilapso, nenhum ocorrera, os morros continuavam tranquilos, que é maneira de como entre si eles conversam, se conversa alguma se transmitem.” (pág. 15)
“(...) Em cada momento, espiava, de revés, para o Morro da Garça, posto lá, a nordeste, testemunho. Belo como uma palavra.” (grifo meu) (pág. 17)

...impressão registrada na caderneta do escritor João Guimarães Rosa que tomou depois nova forma, aparecendo no ciclo de novelas Corpo de Baile, publicado em 1956 (posteriormente, em 1964/65 esse conjunto seria dividido em três livros: “Manuelzão e Miguilim”, “No Urubuquaquá, no Pinhém” e “Noites de Sertão”). No segundo livro, encontra-se “O Recado do Morro”, onde tal feição morfológica torna-se “belo como uma palavra” e porta-voz de um recado para a personagem principal, Pedro Orósio, guia de uma comitiva pelo sertão.

Leda Lucas
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