quinta-feira, 22 de abril de 2010

Dia Internacional do Livro e dos Direitos Autorais



Ode ao livro (II)

Livro,
formoso
livro,
minúsculo bosque,
folha
após folha,
o teu papel
rescende
à matéria,
és matutino e nocturno,
cereal,
oceânico,
nas tuas velhas páginas
havia caçadores de ursos,
fogueiras
à beira do Mississipi,
canoas
nas ilhas,
mais tarde
caminhos vários,
revelações,
povos
rebeldes,
Rimbaud como um ferido
peixe sangrento
palpitando no lodo,
e a beleza
da fraternidade,
pedra a pedra
ergue-se o castelo humano,
dores que entrelaçam
tudo o que é firme,
solidárias acções,
livro
escondido
de bolso
em bolso,
lâmpada
clandestina,
estrela vermelha.


Nós
os poetas
andarilhos
exploramos
o mundo,
em cada porta
a vida nos acolheu,
participamos
na luta terrestre.
Qual foi a nossa vitória?

Um livro,
um livro repleto
de contactos humanos,
de camisas,
um livro
sem solidão, com homens
e ferramentas,
um livro
é a vitória.
Vive e cai
como todos os frutos,
não tem apenas luz,
não tem apenas
sombra,
apaga-se,
desfolha-se,
perde-se
de rua em rua,
despenha-se na terra.
Livro de poesia
de amanhã,
volta
novamente
a ter neve ou musgo
nas tuas páginas
para que os passos
ou os olhos
vão gravando
sinais:
descreve-nos
de novo o mundo,
as fontes
entre a espessura,
os altos arvoredos,
os planetas
polares,
e o viandante
pelos novos caminhos,
avançando
pela selva,
pela água,
pelo céu,
na mais nua solidão marinha,
o homem
descobrindo os últimos segredos,
o homem
regressando
com um livro,
o caçador de volta
à casa com um livro,
o camponês
lavrando
com um livro.

Pablo Neruda. In: Odes Elementares. Tradução Luis Pignatelli. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1977, ps. 160 a 163.

Imagem: Leda Lucas
Poema: Ode ao Livro (II) - digitado por Leda Lucas