domingo, 1 de abril de 2012

Drummond - A Mão


Enviado por em 31/10/2011
Poema "A Mão", escrito por Drummond para Portinari no dia 6 de fevereiro de 62 -- dia em que Portinari morreu. Aqui declamado pelo próprio autor em homenagem a Candido Portinari.



A Mão


Entre o cafezal e o sonho

O garoto pinta uma estrela dourada

Na parede da capela,

E nada mais resiste à mão pintora.

A mão cresce e pinta o que não é para ser pintado mas sofrido.

A mão está sempre compondo

módul-murmurando

o que escapou à fadiga da Criação

e revê ensaios de formas

e corrige o oblíquo pelo aéreo

e semeia margaridinhas de bem-quer no baú dos vencidos.

A mão cresce mais e faz

do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos.

A mão sabe a cor da cor

e com ela veste o nu e o invisível.

Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.

Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica,

não para aplacar a sede dos companheiros,

principalmente para aguçá-la

até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Entre o sonho e o cafezal

entre guerra e paz

entre mártires, ofendidos,

músicos, jangadas, pandorgas,

entre os roceiros mecanizados de Israel,

a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil

entre o amor e o ofício

eis que a mão decide;

todos os meninos, ainda os mais desgraçados,

sejam vertiginosamente felizes

como feliz é o retrato

múltiplo verde-róseo em duas gerações

da criança que balança como flor no cosmo

e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente

em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia

mesmo no estar-angustiado.

O que era dor é flor, conhecimento

plástico do mundo.

E por assim haver disposto o essencial,

deixando o resto aos doutores de Bizâncio,

bruscamente se cala

e voa para nunca-mais

a mão infinita

a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari."

Fonte: YouTube