sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Adélia Prado e Túlio Mourão


Apresentação única na TV Manchete de dois fabulosos artistas, em vídeo postado
no YouTube por fernandolaurentys em 19 de agosto de 2008.

Adélia Prado: Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma escritora brasileira. Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela sua fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade: "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis". Adélia é também referência constante na obra de Rubem Alves.

Em termos de literatura brasileira, o surgimento de Adélia representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, ainda que maternal, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa; por isso sendo considerada como a que encontrou um equilíbrio entre o feminino e o feminismo, movimento cujos conflitos não aparecem em seus textos. Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que sua carreira de escritora tornou-se sua atividade central. (wikipedia)

Túlio Mourão: Mineiro de Divinópolis, 55 anos, Túlio é senhor de uma curiosa e rica trajetória na música brasileira. Caleidoscópica diversidade o leva do rock dos Mutantes às partituras barrocas do filme "O viajante". Das Congadas de Minas ao “Free Jazz”, do Pannis Angelicus orquestrada para Milton Nascimento aos tambores ancestrais de Mandinga. A mesma diversidade o leva ainda a ser um compositor gravado por nomes tão expressivos quanto díspares: Maria Bethânia, Bob Berg, Zimbo Trio, Nara Leão, Milton Nascimento, Tavinho Moura, Jane Duboc, Eugênia Melo Castro, Ney Matogrosso, Anthonio, Tadeu Franco, Oswaldo Montenegro entre outros. Atualmente participa da curadoria de diversos projetos, como o Festival Internacional de Jazz de Ouro Preto - TUDO É JAZZ - e apresenta o programa NOTURNO, que vai ao ar na madrugada de sexta para sábado às 00:30h, na REDEMINAS. (www.tuliomourao.com.br e www.jazzmineiro.com.br)

Poemas

A CARNE SIMPLES


Na cama larga e fresca

um apetite de desespero no meu corpo.

Uivo entre duas mós.

Uivo o quê?

A mão de Deus que me mói e me larga na treva.

Na boca de barro, barro.

Quando era jovem

pedia cruz e ladrões pra guarnecer meus flancos.

Deus era fora de mim.

Hoje peço ao homem deitado do meu lado:

Me deixa encostar em você

pra ver se eu durmo. (p.221)


(Adélia Prado)



A SERENATA


Uma noite de lua pálida e gerânios

ele viria com boca e mão incríveis


tocar flauta no jardim.


Estou no começo do meu desespero


e só vejo dois caminhos:


ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo


o que não for natural como sangue e veias


descubro que estou chorando todo dia,


os cabelos entristecidos,


a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que vem,


de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?


A lua, os gerânios e ele serão os mesmos


só a mulher entre as coisas envelhece.



De que modo vou abrir a janela, se não for doida?

Como a fecharei, se não for santa? (p. 82)


CINZAS


No dia do meu casamento eu fiquei muito aflita.

Tomamos cerveja quente com empadas de capa grossa.

Tive filhos com dores.

Ontem, imprecisamente às nove e meia da noite,

eu tirava da bolsa um quilo de feijão.

Não luto mais daquele modo histérico,

entendi que tudo é pó que sobre tudo pousa e recobre

e a seu modo pacifica.

As laranjas freudianamente me remetem a uma fatia de sonho.

Meu apetite se aguça, estralo as juntas de boa impaciência.

Quem somos nós entre o laxante e o sonífero?

Haverá sempre uma nesga de poeira sob as camas,

um copo mal lavado. Mas que importa?

Que importam as cinzas,

se há convertidos em sua matéria ingrata,

até olhos que sobre mim estremeceram de amor?

Este vale é de lágrimas.

Se disser de outra forma, mentirei.

Hoje parece maio, um dia esplêndido,

os que vamos morrer iremos aos mercados.

O que há neste exílio que nos move?

Digam-no os legumes sobraçados

e esta elegia.

O que escrevi, escrevi

porque estava alegre. (p.193)


Poemas: In: Prado, Adélia. Poesia reunida. São Paulo, Siciliano, 1991.