quarta-feira, 28 de abril de 2010

Acontecências


Dia 27 de abril do ano de 2010! Uma manhã calma, com nuvens prometendo chuva leve. Tudo ia conforme. Digitei solene o fragmento de romance que ontem havia escrito de próprio punho - e com caligrafia até bonita -, enquanto aguardava a sessão para assistir a O homem que engarrafava nuvens, lá no Espaço Unibanco.
Ah! Ontem minha personagem lembrou-se de Macabea e aconteceu-lhe de ficar na mesma entrada no vagão da estação São Bento do Metrô com um homem que segurava um cahorrinho de pelúcia amarelo que remeteu-a ao moço chato do filme de Suzana Amaral: A hora da estrela. Ela não conseguiu de jeito nenhum lembrar o nome dele. Olímpico de Jesus.
Mas divaguei.
A manhã, amena. A Lua e a Clara haviam bebido água, a Lua, inclusive tomou seu leite no pires azul e branco... E eu me preparando para a Oficina de Escrita, à tarde. Mas na hora do almoço um acontecimento.
Após voltar da cozinha onde foi deixar o prato, o Victor ao entrar na sala grita: "Um beija-flor! Corre.
Corri, já ouvindo o bater de asas no vidro da janela. O Victor, cuidadoso, abria as vidraças com cautela. E o pássaro debatia-se. As gatas que dormiam cada uma em seu canto já despertas, na sala. E eles, lá no canto rente à parede.
Cheguei. Pus minhas mãos postas com um mínimo de abertura e todo cuidado. Cheguei-as quase em prece e fui me aproximando do bater ininterrupto de asas, e o Victor abria as vidraças e protegendo o incauto do ataque das felinas; e eu cada vez mais atenta e leve.
Quando por um momento muito breve o beija-flor, cansado, deixou de bater as asas, catei-o no interior de minhas duas mãos; alisei delicadamente seu mínimo peito (Tive vontade de fotografar aquele momento que nunca vivi; inclusive a Nilda: "Não vai fotografar?" Mas pensei na angústia daquele ser ...) e ajeitei a indefesa criatura nos pequenos espaços da grade de proteção, garantindo-lhe o voo à liberdade.

Imagem: www.nadaperduraperfil2.blogger.com.br/
Texto: Leda Lucas

*******************************************************

O DIREITO DE SONHAR

(…) “Sob o olhar do poeta, qualquer coisa para se tornar um símbolo deve entrar no drama do bem e do mal. As pedras se vingam, como a mulher, da infidelidade, da desatenção à sua virtude simbólica. Basta que uma virtude seja intensa para que revele um abismo. A pedra é um intermediário da paixão. Todos os objetos, desde que se libere seu sentido simbólico, tornam-se signos de um intenso drama. Tornam-se espelhos aumentadores de sensibilidade! Nada mais no universo é indiferente, desde que se conceda a cada coisa sua profundeza.

Como se vê, as potências simbólicas, os poderes do ocultismo e as potências poéticas emanam da mesma fonte, provêm das mesmas profundidades.

... a poesia pode nos fazer ouvir o eco mais profundo da pessoa humana. A sua verdade interior.”

Gaston Bachelard. In: O direito de sonhar. Tradução de José Américo Motta Pessanha et al/. 4ª ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1994, p. 136.

*******************************************