quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Quando chega a primavera



A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela 
se abria sobre uma cidade que parecia 
ser feita de giz. Perto da janela havia um 
pequeno jardim quase seco. 
Era uma época de estiagem, de terra 
esfarelada, e o jardim parecia morto. 
Mas todas as manhãs vinha um pobre 
com um balde e, em silêncio, ia atirando 
com a mão umas gotas de água sobre 
as plantas. Não era uma rega: era uma 
espécie de aspersão ritual, para que o 
jardim não morresse. E eu olhava para 
as plantas, para o homem, para as gotas 
de água que caíam de seus dedos 
magros e meu coração ficava 
completamente feliz. 
Às vezes abro a janela e encontro o 
jasmineiro em flor. Outras vezes 
encontro nuvens espessas. Avisto 
crianças que vão para a escola. Pardais 
que pulam pelo muro. Gatos que abrem 
e fecham os olhos, sonhando com 
pardais. Borboletas brancas, duas a 
duas, como refletidas no espelho do ar. 
Marimbondos que sempre me parecem 
personagens de Lope de Vega. Às 
vezes um galo canta. Às vezes um 
avião passa. Tudo está certo, no seu 
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me 
sinto completamente feliz. 
Mas, quando falo dessas pequenas 
felicidades certas, que estão diante de 
cada janela, uns dizem que essas coisas 
não existem, outros que só existem 
diante das minhas janelas, e outros, 
finalmente, que é preciso aprender a 
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Infelizmente não tenho o poema original para conferir a estrutura. Porém aí está o poema A arte de ser feliz de que gosto muito e que traduz minha admiração ao ver este verde delicado e intenso das folhinhas acabando de nascer nos jovens galhos das sibipirunas, diante da janela da sala da casa onde moro.

Imagem: Leda Lucas

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
Posted by Picasa