terça-feira, 8 de novembro de 2011


XLVIII


Da mais alta janela da minha casa

Com um lenço branco digo adeus

Aos meus versos que partem para a Humanidade.


E não estou alegre nem triste.

Esse é o destino dos versos.

Escrevi-os e devo mostrá-los a todos


Porque não posso fazer o contrário

Como a flor não pode esconder a cor,

Nem o rio esconder que corre,

Nem a árvore esconder que dá fruto.


Ei-los que vão já longe como que na diligência

E eu sem querer sinto pena

Como uma dor no corpo.


Quem sabe quem os lerá?

Quem sabe a que mãos irão?


Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.

Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.

Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.

Submeto-me e sinto-me quase alegre,

Quase alegre como quem se cansa de estar triste.


Ide, ide de mim!

Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.

Murcha a flor e o seu pó dura sempre.

Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.


Passo e fico, como o Universo”.

(Alberto Caieiro). In: Fernando Pessoa. O Eu profundo e os outros eus: seleção poética de Afrânio Coutinho. 5ª ed., Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1976.

Imagem: Leda Lucas

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