quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Viagens do mel à dor

XVIII

Os dias não se descartam nem se somam, são abelhas 


que arderam de doçura ou enfureceram 


o aguilhão: o certame continua, 


vão e vêm as viagens do mel à dor. 


Não, não se desfia a rede dos anos: não há rede. 


Não caem gota a gota de um rio: não há rio. 


O sonho não divide a vida em duas metades, 


nem a ação, nem o silêncio, nem a virtude: 


a vida foi como uma pedra, um só movimento, 


uma única fogueira que reverberou na folhagem, 


uma flecha, uma só, lenta ou ativa, um metal 


que subiu e desceu queimando-se em teus ossos.

Pablo Neruda in Ainda
Tradução: Olga Savary. José Olympio Editora –

Rio de Janeiro, 1978.


Imagem: Leda Lucas

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Herança

Muitos são os legados que nos deixam.
No meu caso, tenho como herança a composição em formas e tintas expressada por minha mãe, da casa que morava em seu coração.
Tive de crescer, mudar de estado, adaptar-me a um outro modo de ser e compor-me. E minha mãe, também.
Veio ao mundo, viveu seus dias com os seus e, principalmente, nos contava da feliz amizade com seu irmão Chico. Das tantas travessuras de meninos do interior. Casou-se com o homem que tornou-se meu pai. Foram felizes e infelizes juntos até o último dia de vida de minha mãe.
Não apaga de minha memória uma das últimas falas que tive com ela:
– Seu pai viajou, e nem me desejou 'Boa sorte!'.
Mas ele nunca foi destas coisas. Nem nunca teve o hábito de saber de alguém indo para o médico... Hospital?! Porém, ele retornou de viagem e dormiu com a sua mulher a derradeira noite, do jeito que ele gostava. Ele nunca podia imaginar ser aquela noite incômoda devido ao desconforto de minha mãe pelas dores, a última da vida deles.
Tomaram juntos o café da manhã! Teve bolo, caseiro, e guardado no fundo do forno.
Vai dizer que viver não é ser sempre surpreendido.
Mas, um pouco antes da inesperada partida, minha mãe, em seu eterno buscar-se, espalhou tintas – algumas, inclusive minhas! – em telas que comprava com seu 'dinheirinho' de aposentada. E contou-se! Pintou sua morada.
Mesmo um pouco desgostosa, porque a casa que ela trazia no coração tinha tanta luz! O telhado não era assim caído! A parede não era assim torta... Nem eram aquelas as plantas que haviam na cerca do curral. O terreiro ficou muito limpo. Faltou a porteira.
O que faltou, minha mãe?! Veja:
A escada para o alpendre.
As portas do porão. Tenho certeza, que um bezerrinho, ao amanhecer, ainda chama por sua mãe debaixo do assoalho. Algumas galinhas, ainda fazem aí seus ninhos. Um galo canta na madrugada. Um cachorro dorme na soleira. Um gato deve passar rápido.
A escada para o terreiro da cozinha. Era maior. Por que dificultar o acesso a espaço tão-nosso amado?!
Sinto falta do forno a lenha, e o azedinho do biscoito de polvilho ainda quente, saboreio agora. O crepitar das brasas. As mesmas que fizeram explodir a lata de soda cáustica que queimou muito sua perna, quando ainda era bem jovem – e já havia providenciado minha chegada –, deixando tantas cicatrizes que pude observar em suas pernas brancas, e na testa. Tenho fascínio pelo fogo! E um medo...
O ora-pro-nóbis ficou atrás da casa, lá para as bandas da cozinha?
O pé de laranja serra d'água da vovó, que fim levou?!
O chuá-chuá da água na bica!
Mas.
Aí está o morro.
Aí estão as árvores de Paratudo!
Nunca vou me esquecer dos dias.

Imagem: Leda Lucas
Texto: Leda Lucas

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Grafite

Para a festa de aniversário de 56 anos do Parque do Ibirapuera.
Com detalhes de carinho para com a toda verdura e presença de um montão de pássaros neste lugar onde os paulistanos podem se encontrar e se encantar.
Imagem: Leda Lucas
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O artista



O artista
Ao Rubens Matuck

A Natureza esplandece
em cor e tons
na mão do artista

Então irrompe
com tinta e esforço
um lugar

Pássaros vento
e abelhas

Mil – muito mais –
voos
na geometria doida
da Beleza.

Imagem: Leda Lucas (a partir de banner da Exposição do artista Rubens Matuck).
Poema: Leda Lucas
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Clara em meus dias mais recentes



E minhas gatas (Clara e Lua) gatinham sob o Sol em cima de minha cama, enquanto eu tentava tricotar mais um cachecol...

Mas como continuar a tecer com estes ANIMAIS fazendo tanta pose?

Parei – e fiz estas imagens.

Havia nuvens brancas num céu azul, as sibipirunas aguardando o momento do despontar de folhas e botões... Logo logo o chão bem abaixo da janela do quarto ficará amarelo e as flores caídas no cimento lembrar-me-ão da beleza da primavera.

Esteve frio?

Imagens: Leda Lucas

Texto: Leda Lucas

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Lua em muitos dos meus dias



A Lua chegou em uma primavera há já bastante tempo. Mais de 9 anos! Por volta de sete meses de vida, deu-nos um susto imenso.
Sofreu com a cirurgia da castração e de uma pequena hérnia. Porém faz tempo que é uma felina companhia.
Linda, obrigada por suas sábias escolhas do colo, do afago, de beber água direto da minha mão, debaixo da pia. Por, com sua fofa pata, puxar a porta quando chegamos em casa e sair no hall para dar uma voltinha; deitar na porta do vizinho e rolar em seu tapete. Por raspar a porta do banheiro, com suas almofadas fofas sob as garras, pedindo para entrar e fazer-nos companhia durante o banho.
Agora, bem que você podia ser mais amiguinha da Clara; não?
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sábado, 14 de agosto de 2010

Matraga

Teaser - Matraga (A hora e a vez) from Matraga on Vimeo.

Este vídeo eu o localizei no YouTube, a partir de uma pesquisa sobre o fotógrafo Luiz Achutti, cujo documentário foi exibido no Canal Brasil, que eu não vi, porque não tenho TV a cabo. A TVA, o canal que eu tinha, não exibe o Canal Brasil – um dos motivos porque pedi o cancelamento do contrato, depois de ficar 'presa', na história de fidelidade por mais de dois anos...

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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Tramas no azul


Quem tramou o azul
para a Lua?

Quem contou figura
no drama do fio?

Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas

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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Minas em Mim



FAZENDA

Milton Nascimento

Composição: Nelson Angelo


Água de beber


Bica no quintal


Sede de viver tudo


E o esquecer


Era tão normal que o tempo parava


E a meninada respirava o vento


Até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida


Eu era criança, hoje é você, e no amanhã, nós (2x)



Água de beber


Bica no quintal, sede de viver tudo


E o esquecer


Era tão normal que o tempo parava


Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa


Tinha o sol da manhã


E na despedida,
 tios na varanda, jipe na estrada


E o coração lá (4x)

Fonte: http://letras.terra.com.br/milton-nascimento/47426/

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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Garrafa no mar

Há sempre um copo de mar para um homem navegar (Jorge de Lima)

"Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas... Quem a encontra, salva-se a si mesmo.
...
Poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz.
...
A poesia é uma loucura lúcida.
...
O poema é uma pedra no abismo...
...
Todo poema é uma aproximação.
...
Delícia de fechar os olhos, por um instante e assim ficar, sozinho, fabricando escuro... sabendo que existe luz!
...
Cada gota contém a luz do mundo.
...
Essas coisas que parece não terem beleza nenhuma – é simplesmente porque não houve nunca quem lhes desse ao menos um segundo olhar!
...
Descobrir continentes é tão fácil como esbarrar num elefante./ Poeta é o que encontra uma moedinha perdida."

In: Mário Quintana. Para viver com poesia. Seleção e organização de Márcio Vassallo. São Paulo, Globo, 1ª reimpressão, 2007.

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Texto: Mário Quintana (digitado por Leda Lucas)
Vídeo: Leda Lucas
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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A casa

"(...) a imensa casa cósmica existe potencialmente em todo sonho de casa. De seu centro irradiam-se os ventos e as gaivotas saem pelas janelas. Uma casa tão dinâmica permite ao poeta habitar o universo. Ou, noutras palavras, o universo vem habitar sua casa.
Às vezes, num repouso, o poeta volta ao centro de sua morada...
... Tudo respira de novo
A toalha é branca. (Gaston Bachelard)

Esta é a casa de minha avó materna. Aí vivi os primeiros momentos de pertencimento. Aqueles em que minha avó já cansada e de paladar exigente solicitava à neta e afilhada (eu) que torrasse no tacho de cobre, num fogão a lenha muito alto para os meus 8 ou 9 anos, o fubá – aquele mais fino, que no cocho do moinho, ficava encostado à parede de madeira, amarelinho, tenro... Então, deste esforço contente de ser pessoa, fazer a farinha de milho torrada para tomar com leite e uma pitada de sal ou com café, ou, então já como minha mãe fazia: o angu-doce com nacos de queijo minas (sempre achei que eram pequenos e poucos) curado que comíamos com café, frequentes vezes pela manhã e, também, à noite quando não havia bolo de fubá assado na panela de ferro coberta com uma fôrma de lata ou até mesmo a tampa de alguma panela de alumínio emborcada, sobre a qual se punha as brasas para assar a parte de cima.
Nesta casa de minha avó, aprendi que meu avô, que não alcancei em vida, gostava de ouvir música no rádio, altas horas da noite. Principalmente, instrumental – e que eu entendi, não sei por que clássica. Acho que vem daí o meu gosto singular por MÚSICA CLÁSSICA e, também, as valsinhas brasileiras em vozes que enchiam todo o imenso salão. A sala era – é ainda – imensa, com janelas e portas altíssimas.
Em minha infância, nas janelas havia arandelas de ferro retorcido e vidros coloridos nos portais e umbrais. A luz elétrica iluminava as noites do ser tão início.
Contavam-me que minha avó, renitente, lá do quarto, longe da sala, chamava:
– Arquilino, vem deitar! Desliga este rádio.
E ele, então, esquecia seus dedos longos no botão de som, diminuía o volume; encostava sua cabeça de falcão à mesa e sonhava? Depois, ficava rolando o seletor ao longo do dial e ia e voltava...
As cadeiras com assento de esteirinhas de vime fino, e estrutura de madeira preta, muitas, espalhadas pelo salão dentro das noites.
Lá fora, o mundo.
Imagem: Leda Lucas
Texto: Leda Lucas
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Conversa (a)fiada

Diante uma plateia bicuda, literalmente, um homem conta ao lobo marinho que a comida acabou e que se ele descer ao mar e, depois, subir novamente até a calçada, quem sabe se ele não ganha mais um pouquinho de comida.
A comida eram os restos atirados ao chão do Mercado de Peixes em Antofagasta.
...
E o lobo marinho acreditava na promessa dos restos de cabeças, ovas, peles e tripas feita pelo (ainda?) homem.
Eu, como a vida, seguia.

Imagem: Leda Lucas
Texto: Leda Lucas

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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Devaneio e Cosmos

Eu habitava um provérbio tão vasto que era preciso um universo para enchê-lo.
Robert Sabatier. Dédicace d'ún navire, p. 47

"Quando um sonhador de devaneios afastou todas as 'preocupações' que atravancavam a vida cotidiana, quando se apartou da inquietação que lhe advém da inquietação alheia, quando é realmente o autor da sua solidão, quando, enfim, pode contemplar, sem contar as horas, um belo aspecto do universo, sente, esse sonhador, um ser que se abre nele."
Bachelard, Gaston. Devaneio e Cosmos/ Tradução: Antonio Pádua Danesi. In: A Poética do Devaneio. Martins Fontes, São Paulo, 2006, p. 165.

Imagem: Leda Lucas
Texto: Gaston Bachelard, em A Poética do Devaneio.

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