segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Convite exposição



Este é o convite para a exposição da obra "pintura" dos espelhos, da artista Audrey Landell, marcenaria com madeiras nobres recolhidas de caçambas de Pedro Ranciaro e fotografias que fiz acompanhando momentos de elaboração da obra.
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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Devaneios do infinito

"Essa é minha floresta ancestral. Tudo o mais é literatura."
Gaston Bachelard
"Em L'amoureuse initiation (p. 64), Milosz escreve: 'Eu contemplo o jardim de maravilhas do espaço com o sentimento de olhar o mais profundo, o mais secreto de mim mesmo; e sorria, pois nunca me imaginara tão puro, tão grande, tão belo! Em meu coração irrompeu o canto de graça do universo. Todas essas constelações são tuas, estão em ti; não têm qualquer realidade fora do teu amor! Ah, como o mundo parece terrível para quem não se conhece! Quando te sentires sozinho e abandonado diante do mar, imagina como devia ser a solidão das águas na noite, e a solidão no inverno sem fim!' E o poeta continua esse dueto de amor do sonhador com o mundo, fazendo do mundo e do homem duas criaturas esposadas, paradoxalmente unidas no diálogo de sua solidão.
Em outra página, numa espécie de meditação-exaltação, unindo os dois movimentos que concentram e dilatam, Milosz escreve (op. cit., p. 151): 'Espaço, espaço que separa as águas, meu alegre amigo, como te aspiro com amor! Eis-me, pois, como a urtiga florida ao sol ameno das ruínas, e como o calhau no gume da fonte, e como a cobra no calor do capim! O quê? O instante será realmente eternidade? A eternidade será realmente instante?' E a página prossegue ligando o ínfimo ao imenso, a urtiga branca ao céu azul. Todas as contradições agudas, como o calhau cortante e a água clara, são assimiladas, aniquiladas, no momento em que o ser que sonha ultrapassa a contradição entre o pequeno e o grande. Esse espaço de exaltação transpõe qualquer limite (p. 155): 'Desabem, limites sem amor dos horizontes! Apareçam, distâncias verdadeiras!' E na página 168: 'Tudo era luz, doçura, sabedoria; e no ar irreal o distante acenava para o longínquo. Meu amor envolvia o universo.'"
Gaston Bachelard. A Poética do Espaço. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo, Martins Fontes, São paulo, 2003, ps. 194 e 195.
Imagem: Leda Lucas (vista do mirante da Ilha Porchat, em São Vicente - SP)
Texto: Gaston Bachelard, com citações sobre o autor Milosz.
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Do amor à linguagem


Esta fotografia é de Steve McCurrie, o mesmo autor da foto da menina e depois mulher afegã, que foi capa da National Geografic, e admirada pelo mundo todo.
Aqui tem-se um homem que, enquanto aguarda o cliente, mergulha no universo da leitura.
Em um ensaio intitulado Sobre os Clássicos, Jorge Luis Borges escreveu:
"Clássico é aquele livro que uma nação ou o largo tempo decidiram ler como se em suas páginas tudo fosse deliberado, fatal, profundo feito o cosmos e sujeito a interpretações sem fim." (Jorge Luis Borges).
E no conto La biblioteca de Babel, que foi publicado pela primeira vez em El jardin del senderos que se bifurcan (1942) e está incluido desde 1944 em Ficciones, a primeira linha do conto é suficientemente explícita:
O universo (que outros chamam biblioteca)...

Para falar do amor à escritura, à leitura, aos livros.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

'The Soul Of A Man'

BLIND WILLIE JOHNSON (1930) Gospel Blues Guitar Legend

O outro poema dos dons

Jorge Luis Borges

.
Graças quero dar ao divino
labirinto dos efeitos e das causas
pela diversidade das criaturas
que formam este singular universo,
pela razão, que não cessará de sonhar
com um plano do labirinto,
pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
pelo amor que nos deixa ver os outros
como os vê a divindade,
pelo firme diamante e a água solta,
pela álgebra, palácio de precisos cristais,
pelas místicas moedas de Angel Silésio,
por Schopenhauer
que decifrou talvez o universo,
pelo fulgor do fogo
que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo,
pelo acaju, o cedro e o sândalo,
pelo pão e o sal,
pelo mistério da rosa
que prodiga cor e não a vê,
por certas vésperas e dias de 1955,
pelos duros tropeiros que, na planície,
arreiam os animais e a alba,
pela manhã em Montevideu,
pela arte da amizade,
pelo último dia de Sócrates,
pelas palavras que foram ditas num crepúsculo
de uma cruz a outra cruz,
por aquele sonho do Islão que abarcou
mil noites e uma noite,
por aquele outro sonho do inferno,
da torre do fogo que purifica
e das esferas gloriosas,
por Swedenborg,
que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
pelos rios secretos e imemoriais
que convergem em mim,
pelo idioma que, há séculos, falei em Nortúmbria,
pela espada e a harpa dos saxões,
pelo mar que é um deserto resplandecente
e uma cifra de coisas que não sabemos
e um epitáfio dos vikings,
pela música verbal da Inglaterra,
pela música verbal da Alemanha,
pelo ouro que reluz nos versos, pelo épico inverno,
pelo nome de um livro que não li: Gesta Dei per Francos,
por Verlaine, inocente como os pássaros,
pelo prisma de cristal e o peso de bronze,
pelas riscas do tigre,
pelas altas torres de S. Francisco e da ilha de Manhattan,
pela manhã no Texas,
por aquele sevilhano que redigiu a “Epístola Moral”
e cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
por Séneca e Lucano, de Córdova,
que antes do espanhol escreveram
toda a literatura espanhola,
pelo geométrico e bizarro xadrez,
pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
pelo odor medicinal dos eucaliptos,
pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
pelo costume,
que nos repete e confirma, como um espelho,
pela manhã, que nos depara a ilusão de um princípio,
pela noite, sua treva e sua astronomia,
pelo valor e a felicidade dos outros,
pela pátria, sentida nos jasmins
ou numa velha espada,
por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
pelo facto de que o poema é inesgotável
e se confunde com a soma das criaturas
e jamais chegará ao último verso
e varia segundo os homens,
por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
por morrer tão devagar,
pelos minutos que precedem o sonho,
pelo sonho e a morte,
esses dois tesouros ocultos,
pelos íntimos dons que não enumero,
pela música, misteriosa forma do tempo.

Jorge Luis Borges, Nova Antologia Pessoal. Tradução: Rolando Roque da Silva. Difel, 1982, ps. 33 a 35

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Dark was the night...

Blind Willie Johnson

Poema dos Dons

Jorge Luis Borges

Ninguém rebaixe a lágrima ou rejeite
Esta declaração da maestria
De Deus, que com magnífica ironia
Deu-me a um só tempo os livros e a noite.

Da cidade de livros tornou donos
Estes olhos sem luz, que só concedem
Em ler entre as bibliotecas dos sonhos
Insensatos parágrafos que cedem

As alvas a seu afã. em vão o dia
Prodiga-lhes seus livros infinitos,
Árduos como os árduos manuscritos
Que pereceram em Alexandria.

De fome e de sede (narra uma história grega)
Morre um rei entre fontes e jardins;
Eu fatigo sem rumo os confins
Dessa alta e funda biblioteca cega.

Enciclopédias, altas, o Oriente
E o Ocidente, centúruias, dinastias,
Símbolos, cosmos e cosmogonias
Brindam as paredes, mas inutilmente.

Em minha sombra, o oco breu com desvelo
Investigo, o bácuo indeciso,
Eu, que me figurava o Paraíso
Tendo uma biblioteca por modelo.

Algo, que por certo não se vislumbra
No termo acaso, rege, estas coisas;
Outro já recebeu em outras nebulosas
Tardes os muitos livros e a penumbra.

Ao errar pelas lentas galerias
Sinto às vezes com vago horror sagrado
Que sou o outro, o morto, habituado
Aos mesmos passos e nos mesmos dias.

Qual de nós dois escreve este poema
De uma só sombra e de um eu plural?
O nome que me assina é essencial,
Se é indiviso e uno esse anátema?

Groussac ou Borges, olho este querido
Mundo que se deforma e que se apaga
Numa empalidecida cinza vaga
Que se parece ao sonho e ao olvido.

Livro Jorge Luis Borges, Obras Completas II, Ed. Globo.
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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Estes fios soltos

DA HUMILDE VERDADE
O quotidiano é o incógnito do mistério.
Mario Quintana, Sapato Florido – Edição Especial. Porto Alegre, Editora da Universidade/ UFRGS, 1994, 69.
Imagem: Leda Lucas
Poema: Mario Quintana
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Das vantagens de ser bobo

Das vantagens de ser bobo

– O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.
– O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando”.
– Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
– O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem.
– Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.
– O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
– O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
– Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.
– Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado.
– O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu.
– Aviso: não confundir bobos com burros.
– Desvantagem: pode receber punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a frase célebre: “Até tu, Brutus?”
– Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
– Os bobos, com suas palhaçadas, devem estar todos na cruz.
– O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
– Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos.
– Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida.
– Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
– Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, como tolo, como fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita o ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
– Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
– É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector. In: A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p.483

Imagem: Leda Lucas
Texto: Clarice Lispector

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