segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Life's for Sharing


Lindo vídeo com a canção Hey Jude, dos Beatles.
Um mundo de pessoas e vozes.

Postado a partir de http://juniverso.blogspot.com/

Pablo Neruda e o mar

ODE AO MAR


Aqui na ilha

o mar

e quanto mar

de si mesmo sai

a cada instante,

diz que sim, que não,

que não, que não, que não,

diz que sim, em azul,

em espuma, a galope

diz que não, que não.

Não pode ficar quieto,

o meu nome é mar, insiste,

pegando numa pedra

sem conseguir convencê-la,

então

com sete línguas verdes

de sete cães verdes,

de sete tigres verdes,

de sete verdes mares,

lambe-a, beija-a,

umedece-a

e bate no peito

repetindo o seu nome.

Ó mar, assim te chamas

ó camarada oceano,

não percas tempo e água,

não te encapeles,

ajuda-nos,

nós somos os humildes

pescadores,

os homens da beira-mar,

temos frio e fome,

não sejas nosso inimigo,

não batas tão duro,

não grites dessa maneira,

abre a tua verde caixa

e deposita nas mãos

de cada um de nós

a tua prenda de prata:

o peixe de cada dia

Queremo-lo aqui

em cada casa

e ainda que seja de prata,

de cristal ou de lua,

foi para as humildes

cozinhas da terra

que nasceu.

Não o guardes,

avaramente,

deslizando frio como

um molhado relâmpago

debaixo das tuas ondas.

Vamos, agora,

abre-te

e deixa-o

perto de nossas mãos,

ajuda-nos, oceano,

pai, verde e profundo,

a acabar um dia

com a miséria terrestre.

Deixa-nos

colher a infinita

seara das tuas vidas,

os teus trigos e as tuas uvas,

os teus bois, os teus metais,

o molhado esplendor

e os frutos submersos.


Pai mar, já sabemos

como te chamas, todas

as gaivotas espalham

o teu nome nas areias:

agora, vê lá como te portas,

não sacudas as tuas crinas,,

não ameaces ninguém,

não quebres contra o céu

a tua bela dentadura,

por momentos deixa-te

de gloriosas histórias,

e dá a cada homem,

a cada

mulher e a cada criança,

um peixe grande ou pequeno

todos os dias.

Vai por todas as ruas

do mundo

distribuindo peixe

e grita,

grita

para que te ouçam todos

os pobres que trabalham

e digam,

assomando à entrada

da mina:

"Aí vem o velho homem mar

distribuindo peixe."

E voltarão para baixo

para as trevas,

sorrindo, e pelas ruas

e bosques,

sorrirão os homens

e a terra

com marinho sorriso.

Mas

se assim não queres,

se não te apetece,

aguarda,

espera por nós,

vamos pensar nisso,

tratar em primeiro

lugar os casos

humanos,

os mais importantes primeiro,

todos os outros depois,

e, então

entraremos em ti,

cortaremos as ondas

com uma faca de fogo,

saltaremos as ondas

num cavalo elétrico,

afundar-nos-emos

cantando

até chegarmos ao fundo

das tuas entranhas,

um fio atômico

defenderá a tua cintura,

plantaremos

no teu profundo jardim

plantas

de cimento e aço,

amarrar-te-emos

os pés e as mãos,

os homens passearão

pela tua pele cuspindo

cuspir,

roubando-te os frutos, colocando-te arreios,

montando-te e domando-te

dominando-te a alma.

Mas isso será quando

os homens,

tiverem resolvido

o seu problema,

o mais importante

dos problemas.

Pouco a pouco

encontraremos a solução:

obrigar-te-emos, mar,

obrigar-te-emos, terra

a fazer milagres,

porque em nós mesmos,

na luta,

está o peixe,

está o pão,

está o milagre.


Neruda, Pablo. Odes Elementares. Trad. Luis Pignatelli. Editorial Losada,

Publicações Dom Quixote. 1958. Poesia do Século XX, págs. 179 a 184.



Imagem: Leda

Local: Vista a partir da área externa da casa de Pablo Neruda, em Isla Negra, Chile.

Texto digitado por Leda Lucas

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