sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A casa

"(...) a imensa casa cósmica existe potencialmente em todo sonho de casa. De seu centro irradiam-se os ventos e as gaivotas saem pelas janelas. Uma casa tão dinâmica permite ao poeta habitar o universo. Ou, noutras palavras, o universo vem habitar sua casa.
Às vezes, num repouso, o poeta volta ao centro de sua morada...
... Tudo respira de novo
A toalha é branca. (Gaston Bachelard)

Esta é a casa de minha avó materna. Aí vivi os primeiros momentos de pertencimento. Aqueles em que minha avó já cansada e de paladar exigente solicitava à neta e afilhada (eu) que torrasse no tacho de cobre, num fogão a lenha muito alto para os meus 8 ou 9 anos, o fubá – aquele mais fino, que no cocho do moinho, ficava encostado à parede de madeira, amarelinho, tenro... Então, deste esforço contente de ser pessoa, fazer a farinha de milho torrada para tomar com leite e uma pitada de sal ou com café, ou, então já como minha mãe fazia: o angu-doce com nacos de queijo minas (sempre achei que eram pequenos e poucos) curado que comíamos com café, frequentes vezes pela manhã e, também, à noite quando não havia bolo de fubá assado na panela de ferro coberta com uma fôrma de lata ou até mesmo a tampa de alguma panela de alumínio emborcada, sobre a qual se punha as brasas para assar a parte de cima.
Nesta casa de minha avó, aprendi que meu avô, que não alcancei em vida, gostava de ouvir música no rádio, altas horas da noite. Principalmente, instrumental – e que eu entendi, não sei por que clássica. Acho que vem daí o meu gosto singular por MÚSICA CLÁSSICA e, também, as valsinhas brasileiras em vozes que enchiam todo o imenso salão. A sala era – é ainda – imensa, com janelas e portas altíssimas.
Em minha infância, nas janelas havia arandelas de ferro retorcido e vidros coloridos nos portais e umbrais. A luz elétrica iluminava as noites do ser tão início.
Contavam-me que minha avó, renitente, lá do quarto, longe da sala, chamava:
– Arquilino, vem deitar! Desliga este rádio.
E ele, então, esquecia seus dedos longos no botão de som, diminuía o volume; encostava sua cabeça de falcão à mesa e sonhava? Depois, ficava rolando o seletor ao longo do dial e ia e voltava...
As cadeiras com assento de esteirinhas de vime fino, e estrutura de madeira preta, muitas, espalhadas pelo salão dentro das noites.
Lá fora, o mundo.
Imagem: Leda Lucas
Texto: Leda Lucas
Posted by Picasa
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@