sábado, 3 de abril de 2010

Marcel Proust - Sobre a Leitura

"Este texto de Marcel Proust, inédito no Brasil, foi publicado em 1905.
Sendo anterior a Em Busca do Tempo Perdido já contém elementos da sua narrativa oferecendo belo elogio da leitura.
Originalmente, foi o Prefácio que Proust escreveu para a tradução do livro Sésame et les Lys de John Ruskin."
(Ernesto Guimarães)

Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido. Era como se tudo aquilo que para os outros os transformavam em dias cheios, nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite de um amigo para um jogo exatamente na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, a merenda que nos obrigavam a levar e que deixávamos de lado intocada sobre o banco, enquanto sobre nossa cabeça o sol empalidecia no céu azul; o jantar que nos fazia voltar para casa e em cujo fim não deixávamos de pensar para, logo em seguida, poder terminar o capítulo interrompido, tudo isso que a leitura nos fazia perceber apenas como inconveniências, ela as gravava, contudo, em nós, com uma lembrança tão doce (muito mais preciosa, vendo agora à distância, do que o que líamos então com tanto amor) que se nos acontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, já não é senão como simples calendários que guardamos dos dias perdidos, com a esperança de ver refletidas sobre as páginas as habitações e os lagos que não existem mais.
Quem, como eu, não se lembra dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo sucessivamente em todas aquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e invioláveis para abrigá-las. De manhã, voltando do parque, quando todos “tinham ido fazer um passeio”, eu me metia na sala de jantar, onde, até a ainda distante hora do almoço, ninguém, senão a velha Félice, relativamente silenciosa, entraria, e onde não teria como companheiros de leitura mais do que os pratos coloridos pendendo nas paredes, o calendário cuja folha da véspera havia sido há pouco arrancada, o pêndulo e o fogo que falam sem pudor que se lhes responda, e cujo suaves propósitos vazios de sentido não substituem – como as palavras dos homens – o sentido das palavras que se lêem. Instalava-me numa cadeira ao pé do fogo de lenha, do qual, durante o almoço, o tio madrugador e jardineiro diria: “Não é ruim”! Suporta-se muito bem um pouco de calor do fogo, posso garantir que às seis horas fazia bastante frio na horta. Antes do almoço quem poria fim, sem pena, à leitura. De tempos em tempos, ouvia-se o barulho da bomba que fazia a água correr e também levantar os olhos e olhá-la através dos vidros fechados da janela, ali, bem perto, na única aleia do jardinzinho que margeava com tijolos e faianças em meias-luas suas platibandas de amores-perfeitos: amores perfeitos colhidos, parece, nesses céus tão bonitos, esses céus versicolores e como que refletidos dos vitrais da igreja que se viam às vezes entre os tetos da vila, céus tristes que apareciam antes das tempestades ou depois, já bastante tarde, quando o dia estava prestes a terminar.
...
Já era meio-dia, fazendo com que meus pais pronunciassem as palavras fatais: “Venha, feche seu livro, vamos almoçar”.

PROUST, Marcel. Sobre a leitura. Tradução de Carlos Vogt. Campinas, SP: Pontes, 1989.
CANÇADO, José Maria. Proust: as intermitências do coração e outros ensaios. Belo Horizonte - Ed. UFMG 2008.

Imagem: Camille Pissarro [Portrait of Rodo Pissarro Reading] 1893.
Texto: Este post faz parte da coluna mensal Ofício de Escrever, assinada por Sueli Aduan.

Mas.
No século XX, em Minas Gerais, uma menina só, contrastando o mundo das memórias do fabuloso escritor francês.
Na horta.
Na cozinha, com um fogão a lenha sempre aceso e um pilão de tronco de madeira, retangular, com um furo fundo no centro; enorme.
Os tijolos, retângulo de terra sopesada a forno, vermelhos.
No terreiro, sempre um cão.
No curral, os bois, vacas e bezerros; depois, mais ao longe e se distanciaaaaannndo, árvores e pássaros e borboletas.
Lá longe, as montanhas e nuvens marcando horizonte.
E ela só; muito.
Choro e promessas.

Os Famosos e os Duendes da Morte

Os Famosos e os Duendes da Morte

Isabela Boscov fala sobre o filme de estreia do paulista Esmir Filho, de 27 anos. O filme conta a história dos moradores de uma cidade que sonham em segredo.
Este vídeo foi postado por Ellen do //ajusteofoco.blogspot.com/ que o enviou-me a mim em nossas conversas por meio virtual.
Amei os comentários de Isabela Boscov e pretendo assistir ao filme que, parece, foge dos roteiros comuns das últimas safras.
Vida longa ao cinema brasileiro.

Imagem: Cena do filme Os famosos e os duendes da morte (in google)
Vídeo: Youtube (veja.com)