segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Civilização e barbárie

Enquanto os deuses dormem, ou fingem dormir, as pessoas caminham. É dia de feira neste povoado perdido nos arredores de Totonicapán, e o vaivém é grande. De outras aldeias chegam mulheres carregando pacotes pelas veredas verdes. Elas se encontram na feira, hoje aqui, amanhã acolá, neste povoado e em outro, como dentes que vão rumo à boca, e conversando vão sabendo das novidades, lentamente, enquanto vendem, pouco a pouco, uma coisinha ou outra.

Uma velha senhora estende seu lenço no chão, e ali deita sua mercadoria: defumador feito de um cacto chamado nopal, tinturas de anil e de cochonilha, algumas pimentas bem picantes, ervas coloridas, um jarro de mel silvestre; uma boneca de pano e um boneco de barro pintado; faixas, cordões, fitas; colares de sementes, pentes de osso, espelhinhos...


Um turista, recém-chegado à Guatemala, quer comprar tudo.

Como ela não entende, ele explica com as mãos: tudo. Ela nega com a cabeça. Ele insiste: você me diz quanto quer, eu digo quanto pago. E repete: compro tudo. Fala cada vez mais alto. Grita. Ela, estátua sentada, se cala.

O turista, exausto, vai embora. Pensa: Este país não vai chegar a lugar nenhum.

Ela vê como ele se afasta. Pensa: Minhas coisas não querem ir embora com você.


Galeano, Eduardo. In: Bocas do Tempo. Tradução de Eric Nepomuceno. Porto Alegre, L&PM, 2004, pág. 280.

Imagem: Leda Lucas (Museu Precolombino – Santiago - Chile)

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