segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Flor azul

Ode à flor azul
(Pablo Neruda)


Caminhando em direção ao mar

pela planície

é Novembro –

vê-se que tudo floresceu já,

deitou corpo,

ondula, inebria.


Erva a erva

sentirei a terra,

passo a passo

até ao exaltado limiar

do oceano.

Subitamente uma onda

de ar estremece e faz ondular

a cevada selvagem:

levanta-se

em voo, dos meus pés,

um pássaro, o chão

coberto de fios de ouro,

de pétalas sem conta

brilha subitamente como uma rosa verde,

enreda-se com as urtigas que descobrem

a cobra-coral sua inimiga,

esbeltos caules, cintilantes

sarças,

diferenciada forma

com que cada vegetal saúda,

às vezes com uma rápida

cintilação de espinhos

ou com a efervescência do seu perfume

fresco, fino e amargo.

Andando a passo lento pela erva rente

da oculta primavera,

em direção à espumante orla

do Pacífico,

cem metros antes de o grande oceano aparecer

e a terra terminar

parece

que tudo entrou em delírio,

germinação e canto.

As minúsculas ervas

coroaram-se de ouro,

brotaram raios violeta

das plantas da areia

e a cada pequena folha abandonada

uma mensagem de lua ou de fogo chegou.

Caminhando, à beira do mar,

no mês de Novembro,

entre os matagais banhados

de luz, fogo e sal marinhos

encontrei uma flor azul

nascida na agreste planície.


De que lugar ou profundezas

extrais esse teu azul fulgor?

Comunica com o mar profundo

debaixo da terra

a tua estremecida seda?

Ergui-a nas minhas mãos

e olhei-a como se o mar habitasse

numa só gota,

como se na batalha

da terra e das águas

uma flor levantasse

um pequeno estandarte

de fogo azul, de irresistível paz,

de indomável pureza.


De: Odes Elementares. Poesia do Século XX. Publicações Dom Quixote.

Lisboa, Nov. 1977, págs. 105 a 107.


Imagem (no Cerro Santa Lucia): Leda

Poema: digitado por Leda


Magnólia


Nenhuma leveza em suas pétalas
Tal como as folhas
Da grossa árvore
De folhas oblongas
E tateio seco.

No entanto, só, e branca
Em meio ao verde áspero
Na ponta do galho, firme
"...alumbra mi alma serena"
Nestes dias em Santiago.


Imagem (Parque Araucano): Leda
Poema: Leda
Posted by Picasa

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

De mi corazón

Vista geral da casa de Pablo Neruda, em Isla Negra, à beira do Oceano Pacífico.
Acompanha-o com suas guitarras o conjunto Inti Illimani, também
chileno, como o poeta.
Estive nesta casa no mês de novembro de 2009, mais exatamente no dia 12/11, numa inesquecível
manhã de primavera.

"Pablo Neruda recitando una de sus canciones desesperadas, junto con la música de Inti Illimani y las imágenes en forma de recuerdos que se impregnaron en mi memoria para siempre..."

Poema: De mi corazón
Vídeo postado a partir do YouTube

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Life's for Sharing


Lindo vídeo com a canção Hey Jude, dos Beatles.
Um mundo de pessoas e vozes.

Postado a partir de http://juniverso.blogspot.com/

Pablo Neruda e o mar

ODE AO MAR


Aqui na ilha

o mar

e quanto mar

de si mesmo sai

a cada instante,

diz que sim, que não,

que não, que não, que não,

diz que sim, em azul,

em espuma, a galope

diz que não, que não.

Não pode ficar quieto,

o meu nome é mar, insiste,

pegando numa pedra

sem conseguir convencê-la,

então

com sete línguas verdes

de sete cães verdes,

de sete tigres verdes,

de sete verdes mares,

lambe-a, beija-a,

umedece-a

e bate no peito

repetindo o seu nome.

Ó mar, assim te chamas

ó camarada oceano,

não percas tempo e água,

não te encapeles,

ajuda-nos,

nós somos os humildes

pescadores,

os homens da beira-mar,

temos frio e fome,

não sejas nosso inimigo,

não batas tão duro,

não grites dessa maneira,

abre a tua verde caixa

e deposita nas mãos

de cada um de nós

a tua prenda de prata:

o peixe de cada dia

Queremo-lo aqui

em cada casa

e ainda que seja de prata,

de cristal ou de lua,

foi para as humildes

cozinhas da terra

que nasceu.

Não o guardes,

avaramente,

deslizando frio como

um molhado relâmpago

debaixo das tuas ondas.

Vamos, agora,

abre-te

e deixa-o

perto de nossas mãos,

ajuda-nos, oceano,

pai, verde e profundo,

a acabar um dia

com a miséria terrestre.

Deixa-nos

colher a infinita

seara das tuas vidas,

os teus trigos e as tuas uvas,

os teus bois, os teus metais,

o molhado esplendor

e os frutos submersos.


Pai mar, já sabemos

como te chamas, todas

as gaivotas espalham

o teu nome nas areias:

agora, vê lá como te portas,

não sacudas as tuas crinas,,

não ameaces ninguém,

não quebres contra o céu

a tua bela dentadura,

por momentos deixa-te

de gloriosas histórias,

e dá a cada homem,

a cada

mulher e a cada criança,

um peixe grande ou pequeno

todos os dias.

Vai por todas as ruas

do mundo

distribuindo peixe

e grita,

grita

para que te ouçam todos

os pobres que trabalham

e digam,

assomando à entrada

da mina:

"Aí vem o velho homem mar

distribuindo peixe."

E voltarão para baixo

para as trevas,

sorrindo, e pelas ruas

e bosques,

sorrirão os homens

e a terra

com marinho sorriso.

Mas

se assim não queres,

se não te apetece,

aguarda,

espera por nós,

vamos pensar nisso,

tratar em primeiro

lugar os casos

humanos,

os mais importantes primeiro,

todos os outros depois,

e, então

entraremos em ti,

cortaremos as ondas

com uma faca de fogo,

saltaremos as ondas

num cavalo elétrico,

afundar-nos-emos

cantando

até chegarmos ao fundo

das tuas entranhas,

um fio atômico

defenderá a tua cintura,

plantaremos

no teu profundo jardim

plantas

de cimento e aço,

amarrar-te-emos

os pés e as mãos,

os homens passearão

pela tua pele cuspindo

cuspir,

roubando-te os frutos, colocando-te arreios,

montando-te e domando-te

dominando-te a alma.

Mas isso será quando

os homens,

tiverem resolvido

o seu problema,

o mais importante

dos problemas.

Pouco a pouco

encontraremos a solução:

obrigar-te-emos, mar,

obrigar-te-emos, terra

a fazer milagres,

porque em nós mesmos,

na luta,

está o peixe,

está o pão,

está o milagre.


Neruda, Pablo. Odes Elementares. Trad. Luis Pignatelli. Editorial Losada,

Publicações Dom Quixote. 1958. Poesia do Século XX, págs. 179 a 184.



Imagem: Leda

Local: Vista a partir da área externa da casa de Pablo Neruda, em Isla Negra, Chile.

Texto digitado por Leda Lucas

Posted by Picasa

domingo, 22 de novembro de 2009

Uma árvore, o mar, o vento e vozes


Um cipreste antigo no quintal mítico da casa de Pablo Neruda,
em Isla Negra, Chile.

Uma antiga árvore.
O eterno mar.
As ruidosas - e juvenis -
vozes humanas.

E o vento em la Isla...

Texto: Leda
Vídeo: Leda

Poema de Pablo Neruda

O Vento na Ilha

O vento é um cavalo:
Ouça como ele corre

Pelo mar, pelo céu.


Quer me levar: escuta

como recorre ao mundo

para me levar para longe.

Me esconde em teus braços

por somente esta noite,

enquanto a chuva rompe

contra o mar e a terra

sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama
galopando
para me
levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos

ao amor que nos queima

deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,

que me chame e me busque

galopando na sombra,

entretanto eu, emergido e
debaixo de teus grandes olhos,
por somente esta noite

descansarei, amor meu.

(Pablo Neruda)

O gato sonha?


Na sacada do quarto de Neruda, em sua casa de Isla Negra, um gato sonha?

"Quantas perguntas tem um gato?"

Livro das Perguntas, de Pablo Neruda

Imagem: Leda
Texto: Leda
Posted by Picasa

Um cartaz


Este cartaz estava colocado sobre a bancada dos livros mais vendidos em Santiago, no Chile, numa grande Livraria. Interessante pensar, aqui, nas idiossincrasias dos idiomas.
Em português de nosso país (Brasil) o 'más' acentuado é plural do adjetivo feminino 'má'.
Para se ensinar às crianças, aos jovens e aos adultos a escreverem correto e conforme a norma culta, quanto tempo se gasta até que apreendam a forma e, por isto, o estudante ganha elogios rasgados da professora ou professor, nota boa no boletim... Em suma: um bom ou ótimo aluno.
Ensinar a pensar, a experimentar a leitura de tantos incríveis textos dos mais diferentes gêneros e autores, praticar a poesia da língua, etc. não traria mais alegria a todas e todos?

Imagem: Leda
Texto: Leda

Posted by Picasa

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Música interior


O homem no mundo do interior de nosso país expressa no ponteado da viola caipira
a humanidade do ser.

Texto: Leda
Vídeo a partir do YouTube por: Carlinhos Ferreira

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Amado continente


No céu
na Terra
na pele das águas
e no profundo mar

o canto
a dança
as gentes
o gesto
do amado contingente
continente: África

Poema: Leda

Imagem e Palavra

A poesia é acontecimento

lápis lazuli de consistente cor

na mão do aprendiz.

Depois, é tinta

amorosa caligrafia

na escrita do ser.


Imagem: Leda

Poema: Leda


Posted by Picasa

Delicadezas


Nos restos
do dia a dia
cores e dores (con)-
formam um fazer
mais que um doer.

Dói em mim os desperdícios
das todas existências.

O sol fica do outro lado.

Bordado e restos de linha e papel: Leda
Imagem: Leda
Poema: Leda
Posted by Picasa

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Infância e mar

LIBERDADE


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Aqui nesta praia onde


Não há nenhum vestígio de impureza,


Aqui onde há somente


Ondas tombando ininterruptamente,


Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente


Encontra a própria liberdade.

De Mar Novo (1958)

Posted by Picasa
Imagem: Leda
Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen