domingo, 31 de janeiro de 2010

Canto futuro



rastro da luz

além do encoberto

rio e voz no charco



Imagem: Leda Lucas

Poema (de abertura): Leda Lucas






Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada


de "O Guardador de Águas" – Manoel de Barros


I


Não tenho bens de acontecimentos.

O que não sei fazer desconto nas palavras.

Entesouro frases. Por exemplo:

- Imagens são palavras que nos faltaram.

- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.

- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.

Ai frases de pensar!

Pensar é uma pedreira. Estou sendo.

Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)

Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.

Outras de palavras.

Poetas e tontos se compõem com palavras.(...)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pouso de andorinhas


Hai-kai da palavra andorinha



A palavra andorinha


Freme devagarinho


E some em silêncio...



In: Mario Quintana - O Livro de Haicais

Organização: Ronald Polito

Ilustrações: Roberto Negreiros

Posfácio: Paulo Franchetti

Editora: Globo


Os poemas de Mario Quintana "– haicais ou não – compartilham com o pequeno poema japonês algumas características importantes: o gosto pelo humilde, pelo simples, pelo despojamento da vida pobre e solitária, a preferência pela linguagem quotidiana, a recusa à exibição técnica ou à busca do efeito fácil." Em palavras de Paulo Franchetti no posfácio do livro de Mario Quintana.


Imagem: Leda Lucas


Filosofia moderna x filosofia antiga


Gostei muitíssimo deste vídeo realizado pelo Monty Python.

Um pouco de humor na tarde.

Fonte: YouTube

Poesia e imagem

O poema de John Donne lembrou-me intensamente meu sentimento junto ao túmulo do poeta Pablo Neruda e Matilde, em Isla Negra, no Chile.

Naquele momento, estudantes e turistas buscavam o entendimento do que é o amor? Qual a força dos desejos de um poeta?

A vida é êxtase?

O poema Êxtase de John Donne traduzido por Augusto de Campos foi postado a partir de visita que fiz hoje, dia 29 de janeiro de 2010, ao blog de Lau Siqueira: http://poesia-sim-poesia.blogspot.com/


Êxtase

(John Donne)


Onde, qual amofada sobre o leito,


Grávida areia inchou para apoiar


A inclinada cabeça da violeta.


Nós nos sentamos, olhar contra olhar.




Nossas mãos duramente cimentadas


No firme bálsamo que delas vem,


Nossas visitas trançadas e tecendo


Os olhos em um duplo filamento;




Enxertar mão em mão é até agora


Nossa única forma de atadura


E modelar nos olhos as figuras


A nossa única propagação.




Como entre dois exércitos iguais,


Na incerteza, o Acaso se suspende,


Nossas almas (dos corpos apartadas


Por antecipação) entre ambos pendem.




E enquanto alma com alma negocia,


Estátuas sepulcrais ali quedamos


Todo dia na mesma poesição,


Sem mínima palavra, todo dia.




Se alguém – pelo amor tão refinado


Que entendesse das almas a linguagem,


E por virtude desse amor tornado


Só pensamento – a elas chegasse,




Pudera (sem saber que alma falava


Pois ambas eram uma só palavra),


Nova sublimação tomar do instante


E retornar mais puro que antes.




Nosso Êxtase – dizemos – nos dá nexo


E nos mostra do amor o objetivo,


Vemos agora que não foi o sexo


Vemos que não soubemos o motivo.




Mas que assim como as almas são misturas


Ignoradas, o amor reamalgama


A misturada alma de quem ama,


Compondo duas numa e uma em duas.




Transplanta a violeta solitária:


A força, a cor, a forma, tudo o que era


Até aqui degenerado e raro


Ora se multiplica e regenera,




Pois quando o amor assim uma na outra


Interinanimou duas almas,


A alma melhor que dessas duas brota


A magra solidão derrota,




E nós que somos essa alma jovem,


Nossa composição já conhecemos


Por isto: os átomos de que nascemos


São almas que não mais se movem.




Mas que distância e distração as nossas!


Aos corpos não convém fazermos guerra:


Não sendo nós, são nossos.

Nós as
Inteligências, eles as esferas.



Ao contrário, devemos ser-lhes gratas


Por nos (a nós) haverem atraído,


Emprestando-nos forças e sentidos:


Escória, não, mas liga que nos ata.




A influência dos céus em nós atua


Só depois de se ter impresso no ar.


Também é lei de amor que alma não flua


Em alma sem os corpos transpassar.




Com o sangue trabalha para dar


Espíritos, que às almas são conformes.


Pois tais dedos carecem de apertar


Esse invisível nó que nos faz homens.



Assim as almas dos amantes devem


Descer às afeições e às faculdades


Que os sentidos atingem e percebem,


Senão um príncipe jaz aprisionado.




Aos corpos, finalmente, retornemos,


Descortinando o amor à toda gente;


Os mistérios do amor, a alma os sente,


Porém o corpo é para as páginas que lemos.




Se alguém – amante como nós – tiver


Esse diálogo a um ouvido a ambos,


Que observe ainda e não verá qualquer


Mudança quando aos corpos nos mudamos.




(O Êxtase, poema do norte-americano John Donne, 1573-1631. Tradução de Augusto de Campos)


Alguns dados biográficos:

John Donne - "Nascido no seio de uma família católica nesta época, mas que desde cedo teve que se virar sem o pai, que morreu durante sua infância, foi educado em uma escola jesuítica. Posteriormente estudou em Harvard e Cambridge. Teve um irmão morto na prisão, pois acolhera um padre condenado em sua casa. Questionou sua fé por conta disto. Foi um, digamos, boêmio que gastou a herança deixada pelos pais esbanjando dinheiro em farras, mulheres e viagens.

Casou-se com a sobrinha de seu patrão, que estava com 17 anos e isto foi a sua derrocada. Casou secretamente e foi preso! Tempos depois seu casamento foi reconhecido e tiveram 20 filhos, sendo que sua esposa morreu no parto deste vigésimo filho.

Incompreendido em sua própria época e esquecido por quase trezentos anos, John Donne ressurge como uma voz do nosso tempo, com angústias existenciais que pouco diferem das que afligem o homem contemporâneo, e com técnicas audaciosas, em grande parte incorporadas à poesia moderna.

Ao transfomar emoções religiosas numa poesia metafísica de rara beleza e profundidade, Donne seduz, comove – e faz pensar. Autores como T.S. Eliot jamais negaram a influência desse extraordinário contemporâneo de Shakespeare. Ernest Hemingway foi buscar na sua prosa o título para o romance Por Quem os Sinos Dobram.

Aqui no Brasil, Augusto de Campos traduziu o poema Elegia XIX: Indo para a Cama, que teve colocada uma belíssima melodia por Péricles Cavalcanti e gravada por Caetano Veloso no LP Cinema Transcedental. O texto foi reduzido, é claro, para caber no tempo de uma canção.(...)"

In: http://recantodaspalavras.wordpress.com/2007/10/20/john-donne-elegia/


Poema original, abaixo:


The Ecstacy

(John Donne)


WHERE, like a pillow on a bed, 


A pregnant bank swell'd up, to rest 


The violet's reclining head, 


Sat we two, one another's best. 



Our hands were firmly cemented 


By a fast balm, which thence did spring; 


Our eye-beams twisted, and did thread 


Our eyes upon one double string. 




So to engraft our hands, as yet 


Was all the means to make us one; 


And pictures in our eyes to get 


Was all our propagation. 




As,'twixt two equal armies,

Fate 
Suspends uncertain victory, 


Our souls —which to advance their state, 


Were gone out— hung 'twixt her and me. 




And whilst our souls negotiate there, 


We like sepulchral statues lay; 


All day, the same our postures were, 


And we said nothing, all the day.




If any, so by love refined, 


That he soul's language understood, 


And by good love were grown all mind, 


Within convenient distance stood, 




He —though he knew not which soul spake, 


Because both meant, both spake the same— 


Might thence a new concoction take, 


And part far purer than he came. 




This ecstasy doth unperplex

(We said) and tell us what we love; 


We see by this, it was not sex; 


We see, we saw not, what did move: 




But as all several souls contain 


Mixture of things they know not what, 


Love these mix'd souls doth mix again,


And makes both one, each this, and that. 




A single violet transplant,


The strength, the colour, and the size — 


All which before was poor and scant —


Redoubles still, and multiplies.




When love with one another so 


Interanimates two souls, 


That abler soul, which thence doth flow, 


Defects of loneliness controls.




We then, who are this new soul, know, 


Of what we are composed, and made, 


For th' atomies of which we grow 


Are souls, whom no change can invade. 




But, O alas! so long, so far, 


Our bodies why do we forbear? 


They are ours, though not we; we are 


Th' intelligences, they the spheres. 




We owe them thanks, because they thus 


Did us, to us, at first convey, 


Yielded their senses' force to us, 


Nor are dross to us, but allay. 




On man heaven's influence works not so, 


But that it first imprints the air; 


For soul into the soul may flow, 


Though it to body first repair. 




As our blood labours to beget 


Spirits, as like souls as it can; 


Because such fingers need to knit 


That subtle knot, which makes us man; 




So must pure lovers' souls descend 


To affections, and to faculties, 


Which sense may reach and apprehend, 


Else a great prince in prison lies.




To our bodies turn we then, that so 


Weak men on love reveal'd may look; 


Love's mysteries in souls do grow, 


But yet the body is his book. 




And if some lover, such as we, 


Have heard this dialogue of one, 


Let him still mark us, he shall see 


Small change when we're to bodies gone.


Fonte: http://www.pierdelune.com/donne2.htm

Imagem: Leda Lucas


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Perfil Literário: Entrevista a Oscar D'Ambrosio

Um momento com Oscar D'Ambrosio - pessoa sensível e acolhedora - numa conversa para o programa Perfil Literário da rádio UNESP sobre acontecimentos passados e sonhos atuais.


Correção: Na entrevista, quando me refiro à Carla Caruso, conto ao entrevistador que ela é autora de 'livros didáticos', mas, de fato, ela é autora de livros de literatura infantil com alguns livros de biografia de pintores, cientistas, etc. de nossa literatura brasileira.
Carla, desculpe minha falta de precisão.
Leda

Zé Pretim


E a canção Asa Branca - um hino da MPB - ganha outros contornos na voz de Zé Pretim.
A canção.
O cantor.
O compositor.
O intérprete.
...

Quem é Zé Pretim

"Zé Pretim ficou reconhecido nacionalmente quando participou a um tempo
do Programa do Jô. De lá para cá ele já se apresentou em várias
cidades, mas o maior sucesso de sua carreira, sem dúvida, foi a
gravação do primeiro disco.

Com composições próprias e arranjos muito bem trabalhados, o disco
surpreende e agrada diversos públicos. Além do CD, Zé Pretim tem dois
clipes oficiais no Youtube.

Já a banda Bêbados Habilidosos apresentará músicas dos seus três CDs e
composições inéditas que estarão presentes no próximo disco, que será
lançado ainda este ano. A banda, com um grande público em Campo
Grande, compôs a maior parte da trilha sonora do filme “Nossa Vida Não
Cabe Num Opala”, de Reinaldo Pinheiro. A trilha do longa venceu vários
festivais de filmes brasileiros."

Fonte: http://amaralinforma.blogspot.com/2010/01/musico-ze-pretim-e-banda-bebados.html, em 15 de janeiro de 2010.

Áudio: YouTube
Texto inicial: Leda Lucas

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Minha cidade 456(8)


Hoje, 25 de janeiro de 2010, a cidade que me acolheu e possibilitou-me colheita, faz aniversário:
456 anos - tão jovem e tão esplêndida!
Vida longa e justa a você e a seu TODO povo.
Posto neste blog a canção São, São Paulo de Tom Zé, em vídeo com dados sobre a cidade que amo.
Na data de hoje, pode ser que as informações que aí constam já tenham mudado. Mas é devido ao seu
ritmo que tanta gente vem ajudando a construir...

Parabéns minha cidade!!!

Canção: Tom Zé
Imagem: YouTube

domingo, 24 de janeiro de 2010

Minha cidade 456(7)


Todo dia o Sol
no horizonte

Antes, alguns galos
ainda cantam
motores arrancam
apitos no dia depois

Tanta gente!
Tonta pressa
Vive-se a rotina

Luz de néon.
Escurece minha cidade.

Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas

sábado, 23 de janeiro de 2010

Minha cidade 456(6)

"São Paulo está em toda parte. Assim como o sertão de Guimarães Rosa, ela está dentro da gente, com suas contradições, suas dissonâncias, sua alta intensidade, seu caos.

E a surpresa de ir descobrindo todas as cidades escondidas dentro dessa cidade.

Aqui as histórias se escondem, as paixões se escondem, milhões de vidas secretas se escondem dentro de vidas.

Aqui correm todos os segredos, se flerta com todos os perigos, se brinca com todos os pecados.

Sampa tem tudo. Tem o pior de tudo e o melhor de tudo.

Aqui pode ser ruim mas é bom, pode ser bom mas é ruim. Pode tudo. Inclusive perder-se.

Ela é muito-tudo-de-uma-vez-agora. E faz tão mal e tão bem, dor e delícia, prazer e vício.

É a cidade da abrangência, a mais contemporânea das contemporâneas dessa outra América, doída e rica de outro jeito.

O território de todos, onde o impossível não existe. Pode ser ao mesmo tempo inferno e paraíso, sempre mutante, serpente que engole o próprio rabo.

São Paulo é um enigma permanente que te devora enquanto você pensa que a decifra.

E revela suas intermináveis faces num oceano em constante movimento de informação e transformação.

(…) Onde quer que você vá, você leva essa raiz dentro.”


Bruna Lombardi, em apresentação à Exposição de Fotografia de Rosa de Luca, na Galeria Paparazzi, no ano de 2009.


Imagem: Leda Lucas

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Minha cidade 456(5)


no cinza concreto
cimento e arame
cercam a propriedade

esforço de natureza
a cerejeira florida
em exposição pública

fruto fica?


Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Minha cidade 456(4)


Fui criança, um dia,
e os pombos –espírito
divino– pousavam
em árvores de sonho

depois, voaram
para o chão
em folhas de papel
nos escritos do pensamento
crítico da matéria.

Ainda, assim, há deles
em que um só
a despeito de ser
definido como rato
sem asa, traz o signo
da leveza "na dura poesia
concreta" da cidade.

E em mim neste dia
de (in)quieta tristeza.

Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Minha cidade/456(3)


"Maluco beleza"! Assim é
esta cidade jovem
e quarta do planeta Terra.
Aqui tem tanta gente!
Tanta cor! Tem descanso
da estátua exposta
no vão livre e corredor que se enfeita
e vem e vão todos
são Silvestre, a São
João...

São Mateus
São João Clímaco
São João avenida
ave e nidação em cumeeiras
rotas e estátuas de Brecheret

São Paulo, meu amor, tom e Zé
aqui somos todos
permanência e transformação.

Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Minha Cidade/456(2)

Assim é esta minha cidade.
Final de tarde de verão. Muita gente ainda está em viagem de férias. Para visitar parentes em outros estados do país. Em férias, após ano inteiro de trabalho, ou de trabalho e escola para muitos ou só férias como, no caso meu filho que está no Norte do país, traçando um novo mapa em sua vida.
De fato, há muito cimento e o tempo todo carros trafegam nas ruas e avenidas. Principalmente, nas que são ligações entre os diferentes centros de trabalho e os bairros frequentemente distantes do local onde mora o trabalhador.
Este instante é calmo e ninguém sabe do amor que tenho para com estes seres que aí estão passantes, inconstantes, vivos.
Vocês não sabem, mas esta quaresmeira cresceu tanto desde quando me mudei para cá! E há oito anos ela assim floresce para enfeitar a rua por onde passamos.

QUARESMEIRA

Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Myrtales
Família: Melastomataceae
Gênero: Tibouchina

Quaresmeira (ou "Flor-de-quaresma") é o nome vernacular atribuido a sete espécies do gênero Tibouchina, sendo elas:
T. mutabilis ("manacá-da-serra-anão", "jacatirão-anão", "cuipeuna")
T. granulosa ("tibouchina", "quaresmeira", "quaresmeira-roxa")
Tibouchina 'Alstonville' (Híbrido)
T. sellowiana ("quaresmeira-da-serra")
T. herbaceae ("quaresminha")
T. semidecandra ou T. urvilleana (Sinônimos) ("quaresmeira-roxa-anã")
T. grandifólia ("quaresmeira-anã")
T. pulchra ("jacatirão", "quaresmeira-do-frio")

São muito comuns no Brasil, principalmente em São Paulo e no Paraná. Também estão presentes na Austrália e África do Sul. Têm porte mediano e costumam atingir 5 metros de altura – apresentam flores roxas e/ou róseas.
Também são conhecidas como "quaresmeiras" algumas plantas de outros gêneros de melastomáceas como, por exemplo, a Schizocentron elegans ("quaresmeira-rasteira") e a Huberia semiserrata ("quaresmeira-do-brejo").

Fonte: 302 x 331 - 70k - jpg - farm3.static.flickr.com
Imagem: Leda Lucas
Crônica: Leda Lucas

domingo, 17 de janeiro de 2010

Preciso de Silêncio


No existir de todos
o sentimento in
(cansável) da necessidade

Silêncio para acolher
a tragédia que escancara
a dor de meus irmãos
do Haiti

Impossível sair a gritar
pelos bosques, praças
ruas e avenidas.

Até agora vejo o gesto
ouço o grito
da jovem de saia xadrez
...

Por isso, Madredeus:
Silêncio.

Letra: Silêncio

Madredeus

Composição: Pedro Ayres Magalhães

Assim


pouco a pouco


escolhi


O presente silêncio

Silêncio

tão pouco querido


oh, derradeiro momento

Silêncio


Momento


Silêncio

Audiovisual: YouTube
Letra: http://letras.terra.com.br/madredeus/152442/
Texto: Leda Lucas

Minha cidade/456


Daqui até lá estás
no longe horizonte
e deste porto percorro
cada janela
cada porta
cauda e véu

ferida na alma de toda
lama a escorrer
vielas ruas ave
nidas aos antigos e
insistentes rios
a querer delta e pouso

morre-se um pouco cada vez.
A ponte é alta e à margem
todo tom morto
de dejetos e obsoletos
objetos um dia enfeite
de saia ou sala

Esta tarde cai e eu canto
em silêncio o sonho.

Imagem: Leda Lucas
Poema: Leda Lucas

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Metade


"Que a arte nos aponte uma resposta", no poema/prece cuja autoria não
consegui identificar, mesmo pesquisando em livros e na internet.

Hoje, ainda calada e, com o sentimento mais fundo da completa falta de clareza
diante os acontecimentos deste quotidiano que insiste em trazer para dentro
da morada da gente, pensamentos esquisitos de perplexidade.

Comentário: Leda Lucas

Audiovisual: YouTube


Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também

Autor: Não consegui identificar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Zilda Arns


Transcrevo as palavras de seu, também, amado irmão, para dizer que muito a admirava por seu trabalho humanitário:

Cardeal d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo e irmão de Zilda Arns:

“Acabo de ouvir a emocionante notícia de que minha caríssima irmã Zilda Arns Neumann sofreu com o bom povo do Haiti o efeito trágico do terremoto. Que nosso Deus em sua misericórdia acolha no céu aqueles que na terra lutaram pelas crianças e pelos desamparados. Não é hora de perder a esperança. Ela morreu de uma maneira muito bonita, morreu na causa que sempre acreditou".

Texto: Último Segundo (Mundo)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Civilização e barbárie

Enquanto os deuses dormem, ou fingem dormir, as pessoas caminham. É dia de feira neste povoado perdido nos arredores de Totonicapán, e o vaivém é grande. De outras aldeias chegam mulheres carregando pacotes pelas veredas verdes. Elas se encontram na feira, hoje aqui, amanhã acolá, neste povoado e em outro, como dentes que vão rumo à boca, e conversando vão sabendo das novidades, lentamente, enquanto vendem, pouco a pouco, uma coisinha ou outra.

Uma velha senhora estende seu lenço no chão, e ali deita sua mercadoria: defumador feito de um cacto chamado nopal, tinturas de anil e de cochonilha, algumas pimentas bem picantes, ervas coloridas, um jarro de mel silvestre; uma boneca de pano e um boneco de barro pintado; faixas, cordões, fitas; colares de sementes, pentes de osso, espelhinhos...


Um turista, recém-chegado à Guatemala, quer comprar tudo.

Como ela não entende, ele explica com as mãos: tudo. Ela nega com a cabeça. Ele insiste: você me diz quanto quer, eu digo quanto pago. E repete: compro tudo. Fala cada vez mais alto. Grita. Ela, estátua sentada, se cala.

O turista, exausto, vai embora. Pensa: Este país não vai chegar a lugar nenhum.

Ela vê como ele se afasta. Pensa: Minhas coisas não querem ir embora com você.


Galeano, Eduardo. In: Bocas do Tempo. Tradução de Eric Nepomuceno. Porto Alegre, L&PM, 2004, pág. 280.

Imagem: Leda Lucas (Museu Precolombino – Santiago - Chile)

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domingo, 10 de janeiro de 2010

As coisas

Jorge Luis Borges


A bengala, as moedas, o chaveiro,


A dócil fechadura, as tardias


Notas que não lerão os poucos dias


Que me restam, os naipes e o tabuleiro.


Um livro e em suas páginas a seca


Violeta, monumento de uma tarde


Sem dúvida inesquecível e já esquecida,


O rubro espelho ocidental em que arde


Uma ilusória aurora. Quantas coisas,


Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,


Nos servem como tácitos escravos,


Cegas e estranhamente sigilosas!


Durarão para além de nosso esquecimento;


Nunca saberão que nos fomos num momento.


Jorge Luis Borges nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina e faleceu em Genebra, no ano de 1986. É considerado o maior poeta argentino e, sem dúvida, um dos mais importantes da América Latina.

"Seu texto é sempre o de uma pessoa que, reconhecendo honestamente a fragilidade e as limitações do ser humano, nos coloca diante de reflexões nas quais, com freqüência, está presente o nosso próprio destino." (Miguel A. Paladino).


Fonte poema: http://www.releituras.com/jlborges_coisas.asp

Imagem: Leda Lucas (realizada em uma casa de tango, em Buenos Aires, no dia 19/07/2005, às 23:04. Não dancei tango neste noite!)